terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
slam 3
Eu fui ver “Gota d’Água” há uns dois anos, é uma peça onde a Geogette Fadel cospe a seguinte frase, que, desde lá ficou marcada em mim. Ela faz mais ou menos assim:
“Só de ambição, sem amor,
Tua alma vai ficar torta, aleijada,
desgrenhada, pestilenta.
Aproveitador”
Eu pensei na hora pra quem que eu falaria isso, com olhar inquisidor.
Eu tenho ganas de dormir tranquila sabendo que a minha parte eu faço,
E de saber que eu faço parte.
De saber que o que eu ofereço é honesto,
E de que eu contribuo com esse mundo de bosta, com esse balaio com esse resto.
Porque não é trabalhando que se fica rico,
Sobreviver fica sendo a nossa arte.
Trabalho garante no máximo o aluguel
E uns trocado pra mais tarde
Eu tenho uma saudade do presente
Cada vez que eu entro em sala de aula
Eu vejo as cria catarrenta e contente
E penso “e se ela se crescer alienada?”
Ou pior.
“E se cobrarem da Carol que ela emagreça quando ela virar adolescente
E ficar em segundo plano o quanto ela é inteligente”
“O Fepa, que tem uma sensibilidade pra muito além dos seus 6 anos
Vai ter que esquecer da arte, pra ele o mundo já tem planos”
E se alisarem os cachos da Sophia com chapinha?
E Sarah e a Lucía vão se lembrar da carochinha?
Eu não quero pra elas um futuro que todo o mundo aplaude
Virar rei do camarote, e em vez de arte preferir um Audi?
Eu peço Deus, os oxirás, Sidartha em oração
Que preserve só o que importa nessas crianças de zóião.
Pra que não virem quem ostenta luxo na nossa cara tirando onda
Eu sei que não é suor de uma pessoa que garante bilhão na conta
Então quando vejo um milionário, sei exatamente onde ele nada,
É no mar do suor de operário, que ele explora com corja mandada.
Dá vontade de desistir da porra toda, e andar por aí descabelada
Pra que meu sonho de vida toda não seja casa própria...mente alugada.
E pensar em tudo isso enlouquece, nisso de não ter saída
Me vejo nos mendigos na rua, como se dissessem “te entendo, querida”.
“A gente um dia sonhou, e apesar de mal existir
Somos mais livres que os que lutam pra um dia se inserir.”
Eu não sei se é o ar de São Paulo, só sei que preciso de ar.
De armas, armaduras, duras feito pedra, empedra
Tudo que eu sinto, porque tá osso demais pros sensíveis
Não dá nem pra acreditar que a gente chegou nesses níveis.
Daí tenho andando tão pensativa, pensa, ativa a ti
Quem nem mais presto atenção nas coisas, nem nas roupas que vesti
Não ligo mais pra casca, penso só nos meus dias contados
Que preciso fazer a diferença, pro futuro superar o passado
Me avisem portanto se eu estiver com a blusa em farrapos,
Ou se pisei em chiclete, pelas esquinas do calcanhar,
Só peço não me avisem dos cadarços desamarrados.
Só comecei a desfazer essa vida de algum lugar.
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