sábado, 24 de dezembro de 2011

nos cantos dos olhos, nas curvas lábios, aos pés dos ouvidos
eu tenho um frio na barriga a cada uma das suas esquinas

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Intimidade IV

Intimidade não é colher todas as noites o doce dos seus olhos de jabuticaba. É devorá-los, ainda azedos, com o mesmo desespero, com a mesma avidez.
A minha sede dos teus olhos não espera - e nem prefere - a tua primavera.

Intimidade III

Intimidade é memorizar as tuas sardas como um mapa pra minha vida, constelação de infindas respostas pra todas as minhas perguntas.

Intimidade II

Intimidade é quando, sem você, mergulhar no meu colchãozinho de solteiro me traz o frio na espinha do trampolim de piscina olímpica. Não há coragem, não há vontade. Preciso do teu fôlego de mar aberto.

Intimidade I

Intimidade é de repente me lembrar de comprar café na volta pra casa e ter a certeza inquestionável de que foi você quem sussurrou pra mim, de uma das esquinas da vida, que hoje à noite queria que ficássemos acordados...
Eu nunca vou esquecer os verões em Porto Alegre: da cerveja na cidade baixa, do calor no teu quarto. Dormir sendo impossível, e a regra era não descolar os corpos.
Tua pele era escura de brasa - quase insuportável de tocar sem me queimar - e as sardas, faíscas. Eu nunca me importei com as cicatrizes.
O verão de Porto Alegre tinha tuas manias lindas, o teu quarto, teus “tu”s, e nós. Só saíamos quando era pra ver o pôr-do-sol no Guaíba. E nas cartas eu te chamava “meu pôr-do-sol”, tu lembra?
Na boca eu guardo hoje o gosto-sol do teu gosto. Do meu corpo nunca vai se desprender o teu verão, as tuas manias, teu mormaço debaixo das cobertas.
(Mesmo num verão de 36 graus o teu banho era fervendo. O teu sono, com cobertor. E o teu beijo tinha gosto quente de chimarrão.  A bomba sempre queimou minha boca, mas a tua não! Você tinha era calor pra esquentar toda São Paulo...)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Lábio Leporino


Tua boca era uma gaiola cheia de pássaros
 doces, famintos.
Mas tua timidez-chave os trancafiava
calados, angustiados.
E o que eu mais queria era ouvir tua voz-pássaro
piar constante, macia.
Tu tinha tanto pra dizer, delicado assim cada passarinho
saído do ninho.
Mas tua corrente-nervosismo de sobriedade
trancava os bichinhos.
Ate que um dia, sabendo da importância do seu vôo
eles saíram!
Num rompante, ímpeto incontido, descontrolado,
eles fugiram!
Ah, foi tão bonito de ouvir tuas palavras-passarinho
voando livres!
E a cicatriz que elas deixaram em cima do teu lábio
(de liberdade alcançada)
É pra te lembrar de sempre dizer-voar tuas palavras-pássaro
de vôo tão bonito
que ecoam até hoje no meu céu-ouvido-coração,
passarinhos que são
Eu queria tanto te proteger de tudo. Os teus lábios tinham um gosto febril de criança doente. Eu queria fazer da cicatriz do teu lábio leporino um segundo sorriso. Pra vida. Ah, o tamanho dos teus olhos... Tua curiosidade, teu amor, teu abraço... Todos os de uma criança.
Mas eu dei respaldo pra minha infantilidade e não consegui ser nem tua mãe, nem tua filha: não tinha força nem maturidade pro primeiro, e não me joguei na queda-livre do segundo.
Eu tirei. O corpo fora. O teu corpo fora de mim. Por um segundo até achei que fosse sair impune do aborto. Mas o sangramento veio logo, e sem você, o vazio. Como eu não sabia mais quando acabava você e começava eu, a dor foi não a de arrancar o coração do peito, mas as entranhas.
Eu agora me contento com o vazio. Me ocupo de outras coisas. Evito passar pelo parque pra não escutar o berro alegre das crianças, daquelas com cílios de borboletas. Nem gosto mais das borboletas. E tão logo penso em desistir, me vem um medo de que dentro de mim haja só o nada da esterilidade. De útero, de alma, de coração.
Como quem espera o próximo metrô
Muito perto do vão da plataforma
Até hoje sinto um desequilíbrio
Por não ter teu corpo junto ao meu
(Ficou tão pouco tempo, e se foi!)

E me resto só eu, que fico
Sempre entre o cair no vão e
O esperar o próximo trem.
Não vejo em mim coragem nem vontade
Pra enfrentar um novo vagão,
Tampouco força pra sair dessa estação.

(Prometo que acaba aqui meu vômito
De saudade incontida.
Prometo me esforçar - como boa passageira dos meus anos -
Pra conter os próximos
Tanto quanto me esforcei
Pra conter os últimos tantos)
sobre Julieta:

goiabada pra mim é Julieta.
é fresca a goiabada
gelada, como
fresca é Julieta no beijo.
Vermelho o beijo de Julieta
como a goiabada, e vermelho
escorre de Julieta o sangue,
lento, na adaga, como goiabada,
mas não gelada. O sangue
de Julieta é quente.

sobre João OU toda cobra acha uma que lhe morda e lhe coma

João era
bonitãoempresárioricojovemheterobrancobemsucedido e João gostava que lhe quebrassem os dedos. Segurem pois seus medos, ele achava afrodisíaco Que lhe importava se a banda lhe tocava: maníaco!
Apois João, quem diria, entre 4 paredes até tu é minoria!
No começo, de tropeço um corte aqui, outro ali; a namorada cortava João, e cortava-lhe o coração “desculpadesculpadesculpa” e não se agüentava, chorava.
João tinha que consolar: “mas Flora, se você chorar, não adianta nada, melhor nem começar! tem que fazer gostando, Fló, tem que cortar e gostar.”
“e está direito, João? Toca-me a perder o ar, se eu te gosto assim de fato, como vou te machucar? Tu tá ficando é louco de atirar pedra, Vai que isso é genético e nosso filho herda?”
mas com o passar da hora, foi se acostumando Flora. A vida do casal corria bem. Até agora.
hoje o (maravilhosomelhordomundo) fatídico dia!
Flora berrou João no quarto Pra esses sábados de calor “vem ver amor, corre ver o sol se pôr!”... pra quê... João queimou o chão pra ver o anoitecer, correu e
tropeçou! (aaaai) Bem em cima do dedo da aliança! aiquedorquedelíciaFló,mebeija,Fló,vamosfazeramor que se passou? o dedo, pois, quebrou, e com a dor João não se agüentou de felicidadetesãodelíciasenhoooooor
a luz que passou pelos olhos de João,, foi a da (eu nunca senti. nem você) compreensão que alvoreceu no João! ele e Flora treparam lá no chão, o dedo quebrado ainda. “Fló, quebra o outro? Fló, por favor, quebra, minha linda!” um dia, pegou as malas Flora, e foi embora: não tinha vocação pra carrasco, muito menos pra atriz “João, tu te joga de um penhasco, mas eu não vivo mais infeliz
eJoão, bom... João continuou caindodoônibusquedelíciatropeçandoaiquegostoso ao pensar em Fló, lembrava do ditado: Antes só que mal espancado
até conhecer Ekaterina: russa soviética nada amável, com pouco de ética e muito de imperdoável
cada memória tua que me restar nessa vida
vai ser pra sempre pedacinho de flor,
pétala de beleza que eu vou preservar com cuidado.
com todo o cuidado de coisa preciosa, delicada,
para que nenhuma emoção forte ventania que eu possa vir a ter
me tire da pele, do corpo, da memória
o passageiro cheiro das pétalas de flor,
para que não se percam nunca pedacinhos de beleza
que me enfeitam agora os cantos da vida,
preciosa memória tua
sobre morar bem:

o Itaim Bibi tem certo aroma de
M I J O
dos cachorros-ratos das
dondocas da cobertura,
enquanto a Mooca é
I N F E S T A D A
de nostalgia, cafezinho do Elias,
e rosas da Zizi...
sobre Janine:
                       
onde todas as mulheres
se esforçam
para fazer jus ao batom vermelho,
Janine inova:
o batom vermelho é quem
se esforça
para fazer jus a ela.

e (quase) faz.