Eu queria tanto te proteger de tudo. Os teus lábios tinham um gosto febril de criança doente. Eu queria fazer da cicatriz do teu lábio leporino um segundo sorriso. Pra vida. Ah, o tamanho dos teus olhos... Tua curiosidade, teu amor, teu abraço... Todos os de uma criança.
Mas eu dei respaldo pra minha infantilidade e não consegui ser nem tua mãe, nem tua filha: não tinha força nem maturidade pro primeiro, e não me joguei na queda-livre do segundo.
Eu tirei. O corpo fora. O teu corpo fora de mim. Por um segundo até achei que fosse sair impune do aborto. Mas o sangramento veio logo, e sem você, o vazio. Como eu não sabia mais quando acabava você e começava eu, a dor foi não a de arrancar o coração do peito, mas as entranhas.
Eu agora me contento com o vazio. Me ocupo de outras coisas. Evito passar pelo parque pra não escutar o berro alegre das crianças, daquelas com cílios de borboletas. Nem gosto mais das borboletas. E tão logo penso em desistir, me vem um medo de que dentro de mim haja só o nada da esterilidade. De útero, de alma, de coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário